O governo da presidenta Dilma Rousseff está prestes a completar cem dias em meio a um debate, à direita e à esquerda, sobre o caráter, qualidade e eficácia de sua política econômica. Críticos como o jornalista Altamiro Borges, do comitê central do PCdoB, vêem um caráter conservador em determinadas escolhas de Dilma: “a decisão da presidenta Dilma Rousseff de promover um corte cirúrgico de R$ 50 bilhões no Orçamento da União confirma que os tecnocratas neoliberais estão com a bola toda no início do novo governo”, disparou o comunista em seu blog.
Já os setores alinhados ao mercado financeiro parecem também insatisfeitos com o comportamento pouco agressivo da política monetária do atual governo no combate à inflação (ou seja, aumentos moderados demais da taxa básica de juros, a Selic). Em declaração recente ao jornal Correio Braziliense, um analista de mercado culpou o gradualismo do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, pela alta da inflação. Sua moderação, típica de um dovish (“pombo”, por oposição a hawk, falcão, intransigente), estaria jogando as expectativas de comportamento do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado) em 2011 para fora do centro da meta inflacionária: seria o “efeito Pombini”.
As virtudes de Dilma para um são seus vícios para o outro. Em minha opinião, os dois lados estão errados.
A política econômica da presidenta não se caracteriza por um retorno, seja ele doutrinário ou operacional, ao que se convencionou chamar de neoliberalismo e, ademais, não há sinais de descontrole inflacionário.
Objetos e eventos fora de contexto não têm nenhum significado. Uma faca na mão de um assaltante tem significado radicalmente distinto do mesmo objeto na mão de um chef de cozinha. Um mictório branco na galeria Tate Modern de Londres, de Marcel Duchamp, foi considerada a obra de arte mais influente do século XX. O mesmo objeto em uma rodoviária de beira de estrada teria sido ignorado.
Pois ignorar o contexto tem sido o pecado de uma suposta crítica “de esquerda” à atual política econômica.
Vivemos em 2009 a maior crise econômica desde a Grande Depressão de 1929. Até hoje, os países industrializados não se recuperaram plenamente. Para impedir que o Brasil afundasse na crise, pela primeira vez em muitos anos, o governo utilizou um conjunto de medidas fiscais e monetárias para estimular o crescimento econômico, confirmando o compromisso anteriormente estabelecido pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Como resultado, evitamos uma recessão e saímos muito rápido da crise. Em 2010, o Brasil cresceu 7,5%, um dos melhores desempenhos dos últimos 40 anos, e há sinais de que em 2011, com todas as restrições, ainda possamos crescer 5%.
A partir de meados do ano passado, uma inflação de commodities agrícolas no mundo todo começou a pressionar preços também aqui no Brasil e, dado o aquecimento do mercado interno, o governo começou a agir. Passou a utilizar os instrumentos de política econômica para prevenir um excessivo endividamento das famílias, para recuperar a capacidade de atuação anticíclica futura (a partir da recomposição dos níveis pré-crise do superávit primário), para controlar gastos de custeio, que sinalizavam descontrole já no primeiro ano de governo (vide o caso do ministério que alugou um prédio de 14 andares...) e para atrair as taxas inflacionárias para o centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, seja por meio de macro medidas prudenciais de restrição ao crédito ou por meio de simples manipulação da taxa Selic de forma gradual.
Ao mesmo tempo em que toma essas medidas, o governo aumenta em até 45% o Bolsa Família, implementa o fim da Desvinculação de Receitas da União (DRU) – que garantirá este ano até R$ 10 bilhões adicionais para a educação – e reforça o BNDES, que recebeu aporte de R$ 50 bilhões e, ao contrário do que se divulga, terá o orçamento deste significativamente superior ao do ano passado, mesmo com os cortes previstos.
O desempenho da economia até o momento é muito bom. Em fevereiro, a massa salarial cresceu no acumulado 16,74% em relação a 2010. O emprego apresentou o melhor índice para o mês desde o início da série histórica em 2002 e a arrecadação federal cresceu, apesar do aperto macroeconômico, 13,1% em relação ao mesmo período do ano passado.
Temos, obviamente, enormes desafios para o futuro que fogem ao espaço deste artigo: os problemas do câmbio e o nível absurdo das taxas de juros no Brasil. Mas, apesar das Cassandras do mercado, 2011 apenas começou e os sinais são de que tem tudo para ser de crescimento robusto com controle da inflação.
Cláudio Puty é deputado federal (PT/PA). Presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Doutor em Economia pela New School for Social Research, professor da Universidade Federal do Pará. Foi secretário de Governo e Chefe da Casa Civil do Estado do Pará.
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